sábado, 17 de novembro de 2018

O reencontro

Tempos haviam passado e aqui estou eu novamente.
Na mesma cidade, no mesmo bairro, na mesma rua.
Paro o carro, atravesso a rua e fico parado em frente ao portão da mesma casa. Sinto um calafrio na espinha.
Enquanto seguro o molho de sete chaves, memórias mortas vêm me assombrar.
Respiro fundo, pego a chave certa e abro o portão.
Ao entrar, vejo que pouca coisa mudou desde que estive aqui pela última vez. Algumas plantinhas morreram, outras flores murcharam, mas algumas continuam firmes e fortes – para não dizer bonitas.
Cruzo o jardim enquanto seleciono a segunda chave para abrir a porta da casa.
Abro a porta e entro. Apesar de haver pouca luz, consigo enxergar todos os detalhes na penumbra.
Atravesso a antessala e a sala. Subo as escadas. Devagar. Um passo por vez.
Ando pelo corredor e finalmente chego no quarto. Aquele mesmo quarto.
Para adentrá-lo, não preciso de nenhuma chave, pois a porta está entreaberta.
Respiro fundo mais uma vez, abro a porta, entro no quarto e fecho a porta sem olhar para dentro, quase que de olhos fechados.
Viro 360º e acendo a luz.
Um susto!
Lá está ele parado, me olhando.
- Oi! Como você está? - pergunto.
- Claramente melhor que você! - cinicamente ele responde – Você parece diferente...talvez assustado…
- Sim, você me assustou.
- Eu te assustei? Eu que deveria tomar um susto de tão magro que você está! O que aconteceu contigo?
- Não sei...mas devo estar mesmo muito magro. Essa é a terceira vez que escuto isso nessa semana.
- Talvez você devesse dar ouvidos às pessoas que te dizem isso. - essa frase veio acompanhada de uma piscada – Além disto, você parece pálido. Sério, o que houve contigo? Eu prefiro você como era antes!
- Eu também! Realmente não sei o que está acontecendo comigo, mas tenho sentido menos fome e me alimentado menos. Deve ser isso…
- Com certeza é isso! Você só pode ser burro para ficar sem comer. Ou será que está doente e não sabe?
- Não sei. Não acredito que esteja doente, mas quem sabe né? Não faço exames há mais de um ano.
- Por quê? Tem medo de agulha agora?
- Não...esse não é o problema.
- Qual é então?
- Só não tenho conseguido arrumar tempo.
- Isso quer dizer que tem outras prioridades...entendo...mas não era você que queria ter uma aparência melhor, ficar mais bonito e mais forte? Parece que está fazendo exatamente o oposto!
- É, eu sei. Estou fazendo o meu melhor, mas a vida não está fácil.
- Claramente você não está fazendo o seu melhor. Você está sendo patético!
- Beleza, pense o que quiser de mim. Mas vamos falar um pouco de você. Como você realmente está?
- Como você pode ver, eu estou bem. Sempre estou! - essa é uma verdade quando se trada dele...muitas vezes, ele parece ser uma versão melhor de mim.
- É verdade, você parece estar bem, apesar de ter algo diferente em você. Mas ainda não sei o que é!
- Você é muito desatento! Enquanto você emagreceu e parece doente, eu perdi percentual de gordura e estou mais dividido e atlético.
- Humm...deve ser isso. E o seu cabelo, também mudou?
- Sim. Aparentemente, fomos na mesma cabeleireira, pois o corte é exatamente o mesmo!
- Verdade...eu nem me lembrava mais que tinha cortado o cabelo dessa forma.
- Sabe, você anda muito distraído ultimamente. Era só o que me faltava: magrelo, pálido e distraído! O que mais você tem para me mostrar?
- Nada, não vim aqui para te mostrar nada!
- Não? Então para quê você veio dessa vez?
- Eu vim para lhe dizer que fiquei muito magoado da última vez que nos encontramos. Você foi muito cruel comigo!
- Fui mesmo! Afinal, você pede que eu seja assim!
- Não peço não! Tudo que eu queria era que você me aceitasse como eu sou, mas pelo visto isso nunca acontecerá.
- Como você é otário! Fica alimentando esse tipo de expectativa? Merece é sofrer mesmo!
- Viu? Não estou nem há cinco minutos aqui e você já foi cruel várias vezes. Eu não mereço passar por isso.
- Vai embora então, seu babaca! Por que insiste em voltar aqui?
- Não sei...devo ser burro! Eu acreditava que você me amava da mesma forma que eu te amo, mas isso claramente não é uma verdade.
- Lógico que não! Eu não te amo nenhum pouco, embora eu seja dependente de você! Aliás, sem você eu não vivo!
- Você vai ter que arrumar um outro jeito de viver então, porque eu não continuarei com isso. Essa relação é doentia e está me fazendo muito mal!
- Para com isso! Você só fala besteiras. Você pode continuar com isso sim e quer continuar, eu te conheço bem!
- Não! Eu realmente estou cansado de vir aqui satisfazer o teu ego e depois sair triste e pior do que antes.
- Cara, olha ao redor...ninguém está nem aí para os teus problemas. E você fica falando comigo como se eu ligasse. Tudo o que me importa é a tua aparência e a satisfação que você me dá, mas parece que isso acabou porque você está horrível, com cara de doente, magrelo, pálido e ainda é um otár…
[PAH!]
Interrompi o que ele dizia com um soco no meio da cara…
Olhei para a minha mão e ela estava sangrando.
Levantei a cabeça e ele já não estava mais lá, apenas pedaços do espelho quebrado espalhados pelo chão.