Tempos
haviam passado e aqui estou eu novamente.
Na
mesma cidade, no mesmo bairro, na mesma rua.
Paro
o carro, atravesso a rua e fico parado em frente ao portão da mesma
casa. Sinto um calafrio na espinha.
Enquanto
seguro o molho de sete chaves, memórias mortas vêm me assombrar.
Respiro
fundo, pego a chave certa e abro o portão.
Ao
entrar, vejo que pouca coisa mudou desde que estive aqui pela última
vez. Algumas plantinhas morreram, outras flores murcharam, mas
algumas continuam firmes e fortes – para não dizer bonitas.
Cruzo
o jardim enquanto seleciono a segunda chave para abrir a porta da
casa.
Abro
a porta e entro. Apesar de haver pouca luz, consigo enxergar todos os
detalhes na penumbra.
Atravesso
a antessala e a sala. Subo as escadas. Devagar. Um passo por vez.
Ando
pelo corredor e finalmente chego no quarto. Aquele mesmo quarto.
Para
adentrá-lo, não preciso de nenhuma chave, pois a porta está
entreaberta.
Respiro
fundo mais uma vez, abro a porta, entro no quarto e fecho a porta sem
olhar para dentro, quase que de olhos fechados.
Viro
360º e acendo a luz.
Um
susto!
Lá
está ele parado, me olhando.
-
Oi! Como você está? - pergunto.
-
Claramente melhor que você! - cinicamente ele responde – Você
parece diferente...talvez assustado…
-
Sim, você me assustou.
-
Eu te assustei? Eu que deveria tomar um susto de tão magro que você
está! O que aconteceu contigo?
-
Não sei...mas devo estar mesmo muito magro. Essa é a terceira vez
que escuto isso nessa semana.
-
Talvez você devesse dar ouvidos às pessoas que te dizem isso. -
essa frase veio acompanhada de uma piscada – Além disto, você
parece pálido. Sério, o que houve contigo? Eu prefiro você como
era antes!
-
Eu também! Realmente não sei o que está acontecendo comigo, mas
tenho sentido menos fome e me alimentado menos. Deve ser isso…
-
Com certeza é isso! Você só pode ser burro para ficar sem comer.
Ou será que está doente e não sabe?
-
Não sei. Não acredito que esteja doente, mas quem sabe né? Não
faço exames há mais de um ano.
-
Por quê? Tem medo de agulha agora?
-
Não...esse não é o problema.
-
Qual é então?
-
Só não tenho conseguido arrumar tempo.
-
Isso quer dizer que tem outras prioridades...entendo...mas não era
você que queria ter uma aparência melhor, ficar mais bonito e mais
forte? Parece que está fazendo exatamente o oposto!
-
É, eu sei. Estou fazendo o meu melhor, mas a vida não está fácil.
-
Claramente você não está fazendo o seu melhor. Você está sendo
patético!
-
Beleza, pense o que quiser de mim. Mas vamos falar um pouco de você.
Como você realmente está?
-
Como você pode ver, eu estou bem. Sempre estou! - essa é uma
verdade quando se trada dele...muitas vezes, ele parece ser uma
versão melhor de mim.
-
É verdade, você parece estar bem, apesar de ter algo diferente em
você. Mas ainda não sei o que é!
-
Você é muito desatento! Enquanto você emagreceu e parece doente,
eu perdi percentual de gordura e estou mais dividido e atlético.
-
Humm...deve ser isso. E o seu cabelo, também mudou?
-
Sim. Aparentemente, fomos na mesma cabeleireira, pois o corte é
exatamente o mesmo!
-
Verdade...eu nem me lembrava mais que tinha cortado o cabelo dessa
forma.
-
Sabe, você anda muito distraído ultimamente. Era só o que me
faltava: magrelo, pálido e distraído! O que mais você tem para me
mostrar?
-
Nada, não vim aqui para te mostrar nada!
-
Não? Então para quê você veio dessa vez?
-
Eu vim para lhe dizer que fiquei muito magoado da última vez que nos
encontramos. Você foi muito cruel comigo!
-
Fui mesmo! Afinal, você pede que eu seja assim!
-
Não peço não! Tudo que eu queria era que você me aceitasse como
eu sou, mas pelo visto isso nunca acontecerá.
-
Como você é otário! Fica alimentando esse tipo de expectativa?
Merece é sofrer mesmo!
-
Viu? Não estou nem há cinco minutos aqui e você já foi cruel
várias vezes. Eu não mereço passar por isso.
-
Vai embora então, seu babaca! Por que insiste em voltar aqui?
-
Não sei...devo ser burro! Eu acreditava que você me amava da mesma
forma que eu te amo, mas isso claramente não é uma verdade.
-
Lógico que não! Eu não te amo nenhum pouco, embora eu seja
dependente de você! Aliás, sem você eu não vivo!
-
Você vai ter que arrumar um outro jeito de viver então, porque eu
não continuarei com isso. Essa relação é doentia e está me
fazendo muito mal!
-
Para com isso! Você só fala besteiras. Você pode continuar com
isso sim e quer continuar, eu te conheço bem!
-
Não! Eu realmente estou cansado de vir aqui satisfazer o teu ego e
depois sair triste e pior do que antes.
-
Cara, olha ao redor...ninguém está nem aí para os teus problemas.
E você fica falando comigo como se eu ligasse. Tudo o que me importa
é a tua aparência e a satisfação que você me dá, mas parece que
isso acabou porque você está horrível, com cara de doente,
magrelo, pálido e ainda é um otár…
[PAH!]
Interrompi
o que ele dizia com um soco no meio da cara…
Olhei
para a minha mão e ela estava sangrando.
Levantei
a cabeça e ele já não estava mais lá, apenas pedaços do espelho
quebrado espalhados pelo chão.