sexta-feira, 28 de junho de 2019

Romeu

Você escolheu quando chegar
E também escolheu a hora partir
Sendo sempre livre
Do começo até o fim

E no meio de tudo isso
Fez uma bela história
Conquistando o seu espaço
Para sempre na minha memória

Na minha pele também
Os teus olhos me acompanham
Tão vivos e intensos
Num olhar penetrante
Como quando brilhavam
Ao avistar uma possível presa
Às vezes um pássaro, um rato
Ou uma lagarta indefesa

Lembrar do teu olhar não me traz dor
Pelo contrário, traz de volta uma parte boa do passado
O que dói mesmo é lembrar do teu miado
De todas as vezes que me recebeu com muito amor

Para um gato selvagem, nesses momentos,
Você até parecia um cão
Saía do teu conforto para me dar boas-vindas
Era, na verdade, um ótimo anfitrião

Além disso, tinha uma beleza exótica
Uma mistura de Garfield com jaguatirica
Tendo uma pochete de gordura
Que disfarçava a grande velocidade escondida

Era ágil e preguiçoso
Feroz e manhoso
Gostava de carinho, mas não tanto
E aceitava até uns abraços de vez em quando

Tinha uma personalidade única, cativa e intrigante
Cujo convívio logo se tornava, no mínimo, viciante
E com isso conquistou o coração de todos ao redor
Os quais ficaram despedaçados quando aconteceu o pior

Sua perda também foi sentida pela sua irmãzinha
A peralta Pituca não foi mais a mesma desde a sua partida
Ela está mais quieta e em certa parte até parecida contigo
Passa grande parte do dia deitada e fez seu o teu abrigo

Saiba que a tua passagem mudou radicalmente as nossas vidas
Passamos a aceitar e compreender melhor outras formas de companhia
Especialmente formas mais livres e independentes
Que dão uma surra em nossos egos frágeis e carentes

Você abriu um portal que não será fechado
E nos permitiu passar a ver um mundo antes ignorado
O tal mundo felino hoje em dia tão romantizado
Que é realmente bem belo quando de perto vivenciado

Te agradeço pelos breves momentos passados
Por ter aceitado tantos abraços forçados
Pelas caçadas incessantes
E pelas corridas ao redor do carro

Te agradeço, por fim, pelos sorrisos que trouxeste para uma bela menina
Que em ti encontrou uma grande companhia
Que em ti encontrou uma nova fonte de amor
E, em cuja vida, tua breve passagem por ela para sempre a marcou

quinta-feira, 27 de junho de 2019

Nós cegos

No ápice da tua beleza,
Eu estive presente
No auge do teu desleixo,
Fiz o meu deleite
No calor das tuas coxas,
Montei meu abrigo
E de lá só saí
Quando fui expulso

Nós desarmados
Nós entrelaçados
Nós cegos
Nós de olhos fechados

Você, vivendo a vida tão leve,
Tão livre, tão linda,
Com tanta harmonia
Eu, como um leão enjaulado,
Repleto de energia,
Ansioso para ver, tocar, sentir,
Sugar cada gota do tutano da vida

Na evidente colisão
Entre mente e coração
Não há vencedor ou perdedor
Apenas aprendizados espalhados pelo chão
Meu espelho quebrado em mil pedaços
Você refletindo em todos eles
Seu coração, mais uma vez despedaçado,
Eu, novamente culpado, como em tantas outras vezes

Erros foram cometidos
Onde o silêncio prevaleceu
Sabores tão bons antes sentidos
Deram lugar ao amargor da paixão que morreu
Mas nada nessa vida é em vão
E por pior que pareça a experiência
Nela tem escondida pelo menos uma lição
E às vezes até a chave para novas ótimas vivências

Quero que saiba que sinto muito
Caso tenha lhe causado dor
Eu nunca tive a intenção
De te fazer sangrar
Você tem um lugar especial na minha vida
Está tatuada no meu coração
Sou muito grato por tudo que aprendi contigo
E espero que nossos universos continuem a se chocar

E que cada nó desfeito
Volte a se entrelaçar
Como quando nós, desarmados,
Conseguimos nos entregar
E que os nós-cegos
Passem a enxergar
Tudo o que nós de olhos fechados vimos
No escuro quando, juntos, passamos a tatear

Saiba também, meu bem,
Que o amor persistiu, lutou e venceu
E a nossa incendiária paixão
Como uma fênix, mais uma vez renasceu
E agora voa livre
Despejando chuvas de chamas
Sobre nossas peles molhadas de suor
Estendidas em cima da tua cama


terça-feira, 11 de junho de 2019

Rio Purus

Tudo tem seu tempo
E acontece quando tem que ser
Como um rio que segue o seu caminho
Em direção ao Oceano

Não há contensões e barragens
Que possam deter
A fúria decorrente da dor contida
Em seu pranto

A chuva cai
A neblina cega
A juventude se vai
Quando a tristeza começa

Às vezes acompanhado,
Quase sempre sozinho
Exatamente como você
Continuo buscando o caminho

Que me faça sentido
Que me mostre quem sou
Que desperte o brilho no meu olhar

Que me traga paixão
Que me torne mais forte
Ao qual eu consiga realmente me entregar

Um caminho que me leve
De volta ao Oceano
Que me religue, me reconecte
A quem eu sou

Enquanto percorro o meu caminho
Arrasto troncos e barrancos
Me torno mais sujo, mas não paro
Pois não há esta opção

Apenas me resta fechar os olhos
Parar de pensar no futuro
Apagar as lembranças de um passado obscuro
E seguir a voz pulsante do meu coração

Como você, Rio Purus
Percorro uma longa e cansativa jornada
Busco também ser fonte de luz
Para todos que cruzam a minha estrada