Ontem
de manhã, li um relato triste de uma péssima experiência vivida
por uma amiga.
Ela
disse foi para um show na madrugada de sábado para domingo e decidiu
sair antes da apresentação do cantor principal.
Assim,
por volta das 4h, ela saiu do evento sozinha, uma vez que seus amigos
decidiram continuar no show e não havia a possibilidade de sair e
voltar para ver o show sem ter que pagar novo ingresso.
Ao
sair, viu que não havia ninguém na rua..ocasião em que lembrou que
o seu carro estava bem longe do local (cerca de 4min de caminhada). O
medo tomou conta de sua mente.
Ao
verificar que um casal também saiu do show, abordou-os e pediu
(praticamente implorando) que eles a acompanhassem até o carro porque
a rua estava vazia e estava com muito medo.
Eles
simplesmente falaram que não era problema deles e que não podiam
fazer nada por ela.
Depois
disso, em prantos e apavorada, ela caminhou sozinha nesse longo
percurso até chegar ao seu carro.
Felizmente,
nenhum mal aconteceu.
Quando
li essa história, eu fiquei muito triste com o tamanho da
indiferença vivida por ela.
Como
poderia alguém agir como esse casal agiu?
Eu
entendo que Manaus é uma cidade extremamente perigosa, mas ninguém
deveria ser tratado como ela foi.
Ainda
ontem, ao sair da Faculdade Nilton Lins (eu estava na Unimed cuidando
do meu avô), próximo à primeira parada de ônibus, eu avistei uma
mulher visivelmente atordoada se atirando na frente dos carros,
pedindo carona/ajuda.
Vi
3 carros passarem direto antes de passar por ela. Eu também não
parei. Ela estava próxima a um matagal onde não dava para ver caso
tivesse alguém escondido lá.
Porém,
senti uma angústia muito grande em meu peito e um sentimento muito
forte dizendo para eu parar e ajudá-la.
Era
por volta de 16h20min e eu tinha um compromisso às 17h. Isso também
ajudou a que eu não parasse de primeira. Veio aquele pensamento de
“não tenho tempo” - pura mentida egoísta!
Ainda
em fração de segundos, lembrei da história lida de manhã e da
angústia e do sofrimento vividos pela minha amiga. Decidi voltar
para oferecer ajuda.
Fiz
a volta no quarteirão e passei bem devagar por perto do matagal,
olhando se não havia risco de ser assaltado quando parasse. Não
havia ninguém escondido e nenhum risco aparente.
Parei.
Perguntei se podia ajudá-la de alguma forma.
Ela
estava chorando e com muita dificuldade de se expressar.
Mas
aceitou. Disse que eu poderia levá-la rua acima.
Ela
entrou no meu carro, eu ofereci água e pedi para que ela se
acalmasse.
Me
apresentei. Perguntei o nome dela. Cristiane.
Dirigi
enquanto conversava com ela.
Ela
tinha passado por péssimos momentos antes de que eu parasse para
conversar com ela.
Ela
tinha feito um teste de emprego em uma sanduicheria para ser
chapeira. Porém, devido ao fato de não saber fritar carne de
hambúrguer artesanal, ela foi humilhada de várias formas e não foi
contratada, recebendo R$150,00 por 12h de trabalho.
Ao
sair do local, devido à forma que foi tratada, ela perambulou sem
rumo pelas ruas, indo do CSU até a Nilton Lins, sem saber como tinha
feito isso, nem lembrando que caminhos tomou.
Próximo
à faculdade, encontrou um bar e resolver beber. Bebeu tanto que
perdeu os R$150,00 ganhos, se envolveu em uma briga e levou um soco
de um homem que bebia com ela (não necessariamente nessa ordem).
Não
bastasse isso, em algum momento da noite, ao ligar para sua mulher
(ela é homossexual), elas brigaram e sua mulher disse que sairia de
casa e que estava terminando com ela.
Depois
o telefone ainda descarregou.
Em
algum momento do domingo, ela voltou a vagar sem rumo.
Quando
eu a abordei, às 16h20min, ela não parecia embriagada, mas
claramente estava emocionalmente destruída.
E literalmente perdida, sem saber onde estava e nem sequer se lembrando de onde morava.
Nós
conversamos por mais de 2h.
Ela
tem a minha idade (25 anos). Mas tivemos história de vida bem
diferente.
Ela
tem um filho de 4 anos que deixou na casa dos pais após se assumir
como lésbica. O pai dela é extremamente homofóbico e o convívio
era impossível. Como ela saiu de casa sem ter emprego e sem
condições de sustentar o filho, ela o deixou com os avós. Esses
dois fatos (a rejeição por parte do pai e o abandono do filho)
foram claramente marcantes para ela e trazem muita dor para a sua
vida.
Ela
ainda mantém contato com o filho e com a mãe.
Após
muita conversa, ela foi se lembrando das coisas. Fomos ao bar que ela tinha estado, pois ela quis
conversar com algumas pessoas para saber do dinheiro dela. Sem resultado. A mulher que cuidou das coisas dela afirmou que não pegou o dinheiro dela.
Depois que saímos de perto do bar, continuamos conversando até que verifiquei que ela estava bem melhor. Ela entendeu que, por pior que
seja, uma hora essa dor vai passar.
Ela também se lembrou de onde morava. No bairro Zumbi, próximo ao T5.
Dirigi
até uma parada de ônibus que passava algum ônibus que servia para
ela chegar em casa. Dei dinheiro para que ela pegasse o ônibus (ela
estava sem dinheiro)e anotei em uma folha de papel as coordenadas que ela deveria seguir para chegar em casa.
Ao
nos despedirmos, ela me agradeceu muito e disse que estava pensando
em se matar e que eu fui um anjo em sua vida.
Nos
abraçamos. Ela desceu do carro e foi para a parada esperar o ônibus.
Eu segui o meu caminho.
Cheguei
no meu compromisso com 2h de atraso. Mas valeu muito a pena cada
segundo.
Após
tudo isso, senti uma necessidade gigantesca de escrever e
compartilhar essa história.
Sabe,
se eu não tivesse lido a história da minha amiga, eu talvez não
tivesse parado para ajudar a Cristiane. E talvez ela hoje fosse mais
uma vítima da depressão e do suicídio.
A
história da minha amiga me inspirou a agir diferente da maioria das pessoas.
A
indiferença vivida por ela me revoltou e me fez ficar ainda mais
atento ao próximo e às suas necessidades.
Sei
que nem sempre podemos ajudar o próximo.
Sei
que a cidade está muito perigosa e o que fiz foi arriscado.
Mas
também sei que precisamos confiar mais.
Precisamos
amar mais e julgar menos.
Precisamos cuidar do outro.
Juntos
somos mais fortes.
Juntos
podemos mudar o mundo e torná-lo melhor do que é.
Sejamos
a mudança.
Façamos
o milagre acontecer.
Amar
é ação. Nem que seja apenas ouvir e abraçar. Apenas isso já pode ser o suficiente para
salvar uma vida ou, pelo menos, para melhorar o dia de alguém.
Dedico
o meu pensamento positivo à Cristiane e a todas as pessoas que estejam
passando por um momento difícil.