segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Arrisque. Confie. Ame.

Ontem de manhã, li um relato triste de uma péssima experiência vivida por uma amiga.
Ela disse foi para um show na madrugada de sábado para domingo e decidiu sair antes da apresentação do cantor principal.
Assim, por volta das 4h, ela saiu do evento sozinha, uma vez que seus amigos decidiram continuar no show e não havia a possibilidade de sair e voltar para ver o show sem ter que pagar novo ingresso.
Ao sair, viu que não havia ninguém na rua..ocasião em que lembrou que o seu carro estava bem longe do local (cerca de 4min de caminhada). O medo tomou conta de sua mente.
Ao verificar que um casal também saiu do show, abordou-os e pediu (praticamente implorando) que eles a acompanhassem até o carro porque a rua estava vazia e estava com muito medo.
Eles simplesmente falaram que não era problema deles e que não podiam fazer nada por ela.
Depois disso, em prantos e apavorada, ela caminhou sozinha nesse longo percurso até chegar ao seu carro.
Felizmente, nenhum mal aconteceu.

Quando li essa história, eu fiquei muito triste com o tamanho da indiferença vivida por ela.
Como poderia alguém agir como esse casal agiu?
Eu entendo que Manaus é uma cidade extremamente perigosa, mas ninguém deveria ser tratado como ela foi.

Ainda ontem, ao sair da Faculdade Nilton Lins (eu estava na Unimed cuidando do meu avô), próximo à primeira parada de ônibus, eu avistei uma mulher visivelmente atordoada se atirando na frente dos carros, pedindo carona/ajuda.
Vi 3 carros passarem direto antes de passar por ela. Eu também não parei. Ela estava próxima a um matagal onde não dava para ver caso tivesse alguém escondido lá.
Porém, senti uma angústia muito grande em meu peito e um sentimento muito forte dizendo para eu parar e ajudá-la.
Era por volta de 16h20min e eu tinha um compromisso às 17h. Isso também ajudou a que eu não parasse de primeira. Veio aquele pensamento de “não tenho tempo” - pura mentida egoísta!
Ainda em fração de segundos, lembrei da história lida de manhã e da angústia e do sofrimento vividos pela minha amiga. Decidi voltar para oferecer ajuda.
Fiz a volta no quarteirão e passei bem devagar por perto do matagal, olhando se não havia risco de ser assaltado quando parasse. Não havia ninguém escondido e nenhum risco aparente.
Parei. Perguntei se podia ajudá-la de alguma forma.
Ela estava chorando e com muita dificuldade de se expressar.
Mas aceitou. Disse que eu poderia levá-la rua acima.
Ela entrou no meu carro, eu ofereci água e pedi para que ela se acalmasse.
Me apresentei. Perguntei o nome dela. Cristiane.
Dirigi enquanto conversava com ela.
Ela tinha passado por péssimos momentos antes de que eu parasse para conversar com ela.
Ela tinha feito um teste de emprego em uma sanduicheria para ser chapeira. Porém, devido ao fato de não saber fritar carne de hambúrguer artesanal, ela foi humilhada de várias formas e não foi contratada, recebendo R$150,00 por 12h de trabalho.
Ao sair do local, devido à forma que foi tratada, ela perambulou sem rumo pelas ruas, indo do CSU até a Nilton Lins, sem saber como tinha feito isso, nem lembrando que caminhos tomou.
Próximo à faculdade, encontrou um bar e resolver beber. Bebeu tanto que perdeu os R$150,00 ganhos, se envolveu em uma briga e levou um soco de um homem que bebia com ela (não necessariamente nessa ordem).
Não bastasse isso, em algum momento da noite, ao ligar para sua mulher (ela é homossexual), elas brigaram e sua mulher disse que sairia de casa e que estava terminando com ela.
Depois o telefone ainda descarregou.
Em algum momento do domingo, ela voltou a vagar sem rumo.
Quando eu a abordei, às 16h20min, ela não parecia embriagada, mas claramente estava emocionalmente destruída.
E literalmente perdida, sem saber onde estava e nem sequer se lembrando de onde morava.
Nós conversamos por mais de 2h.
Ela tem a minha idade (25 anos). Mas tivemos história de vida bem diferente.
Ela tem um filho de 4 anos que deixou na casa dos pais após se assumir como lésbica. O pai dela é extremamente homofóbico e o convívio era impossível. Como ela saiu de casa sem ter emprego e sem condições de sustentar o filho, ela o deixou com os avós. Esses dois fatos (a rejeição por parte do pai e o abandono do filho) foram claramente marcantes para ela e trazem muita dor para a sua vida.
Ela ainda mantém contato com o filho e com a mãe.

Após muita conversa, ela foi se lembrando das coisas. Fomos ao bar que ela tinha estado, pois ela quis conversar com algumas pessoas para saber do dinheiro dela. Sem resultado. A mulher que cuidou das coisas dela afirmou que não pegou o dinheiro dela.
Depois que saímos de perto do bar, continuamos conversando até que verifiquei que ela estava bem melhor. Ela entendeu que, por pior que seja, uma hora essa dor vai passar.
Ela também se lembrou de onde morava. No bairro Zumbi, próximo ao T5.
Dirigi até uma parada de ônibus que passava algum ônibus que servia para ela chegar em casa. Dei dinheiro para que ela pegasse o ônibus (ela estava sem dinheiro)e anotei em uma folha de papel as coordenadas que ela deveria seguir para chegar em casa.

Ao nos despedirmos, ela me agradeceu muito e disse que estava pensando em se matar e que eu fui um anjo em sua vida.
Nos abraçamos. Ela desceu do carro e foi para a parada esperar o ônibus. Eu segui o meu caminho.
Cheguei no meu compromisso com 2h de atraso. Mas valeu muito a pena cada segundo.

Após tudo isso, senti uma necessidade gigantesca de escrever e compartilhar essa história.
Sabe, se eu não tivesse lido a história da minha amiga, eu talvez não tivesse parado para ajudar a Cristiane. E talvez ela hoje fosse mais uma vítima da depressão e do suicídio.
A história da minha amiga me inspirou a agir diferente da maioria das pessoas.
A indiferença vivida por ela me revoltou e me fez ficar ainda mais atento ao próximo e às suas necessidades.
Sei que nem sempre podemos ajudar o próximo.
Sei que a cidade está muito perigosa e o que fiz foi arriscado.
Mas também sei que precisamos confiar mais.
Precisamos amar mais e julgar menos.
Precisamos cuidar do outro.

Juntos somos mais fortes.
Juntos podemos mudar o mundo e torná-lo melhor do que é.

Sejamos a mudança.
Façamos o milagre acontecer.

Amar é ação. Nem que seja apenas ouvir e abraçar. Apenas isso já pode ser o suficiente para salvar uma vida ou, pelo menos, para melhorar o dia de alguém.

Dedico o meu pensamento positivo à Cristiane e a todas as pessoas que estejam passando por um momento difícil.


Nenhum comentário:

Postar um comentário